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Saúde

“O cancro tem muitas caras e não se define pelo cabelo ou pela falta dele”

30 de outubro, 2024
Oeste CIM
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Primeiro o rastreio feito pelas próprias mãos, depois o diagnóstico e posteriormente a série de tratamentos e medicação. De todo este processo Andreia Mendes aprendeu muito: sobre si mesma, mas também a valorização do outro. Gerir expectativas e o tempo foi outra das lições que ficam para sempre, tal como se pode ler neste profundo testemunho em que salta à vista o lado positivo como se olha para a vida. Hoje é o Dia Nacional da Prevenção do Cancro da Mama.

- Que idade tinha quando descobriu que tinha cancro da mama? Consegue descrever como foi o momento em que recebeu o diagnóstico?

- 40 anos! Atualmente a recomendação para a realização do rastreio (mamografia/ecografia) está definida para ser realizada de dois em dois anos em pessoas com idades entre os 50 e os 69 anos de idade, no entanto, são cada vez mais as mulheres diagnosticadas antes dessa idade. Aos 39 questionei a minha médica de família sobre o assunto e, não tendo antecedentes familiares de cancro de mama nem tampouco qualquer queixa na altura, optámos por não fazer mamografia. Daí a importância de cada uma de nós fazermos o nosso próprio rastreio: não custa nada e, se ao fazermos as palpações, conhecermos o nosso corpo (neste caso as nossas maminhas) facilmente notamos quando alguma coisa está diferente. E foi assim que, durante o banho, descobri algo diferente que não estava ali! O diagnóstico veio depois, mas o momento da descoberta foi o primeiro impacto. 

- O que se sente quando se dá a notícia aos familiares e amigos?

- Quando senti o nódulo e marquei os exames, além do meu marido, contei à minha mãe. Sabia que ela ia ficar preocupada, mas não ia conseguir esconder: acho que também precisava de colo. No dia em que fiz a (primeira de várias) mamografia e a ecografia mamária e, pela reação da pessoa que me estava a fazer, percebi imediatamente que não augurava nada de bom. “95% de hipóteses de ser cancro", dizia o relatório. Respirei fundo, abracei o meu marido e os meus filhos quando cheguei a casa e defini como objetivo fazer o necessário para ultrapassar a situação. Não contei imediatamente a outros familiares ou amigos, alguns só souberam mesmo depois da cirurgia.

É um sentimento ambíguo: não queria ser vista como "ai coitadinha, tens cancro" e também não queria preocupar os outros, no entanto, simultaneamente, como já disse, às vezes precisamos de colo, de um ombro amigo. Optei sempre por dizer: sim, tenho cancro, mas está tudo bem e vamos tratar disto! E as pessoas à minha volta responderam da mesma moeda: Ok, tudo bem, estamos aqui!

Sou imensamente grata por quem me rodeia: família, amigos, colegas, conhecidos e aproveito para deixar a todos o meu muito obrigada!

- Como se sente, física e emocionalmente, desde o diagnóstico? Tem encontrado formas de lidar com os altos e baixos emocionais?

- Fisicamente, no início, achava que não sentia nada além do nódulo. Porém, olhando para trás, percebo que havia alguns sintomas que ignorava ou atribuía a outras coisas. Não posso dizer que sentia dor. Com a realização dos exames, uns mais invasivos que outros, acabei por sentir algum desconforto. Emocionalmente... bem, emocionalmente queria dizer que tenho estado sempre a 100%, mas estaria a mentir. A primeira vez que me senti verdadeiramente doente foi quando, antes da realização de um exame, um médico me disse: "A sua doença...", foi como se me tivessem tirado a ficha nesse dia: Ok, eu estou mesmo doente! Aí sim, a parte emocional começou a manifestar-se, as noites tornaram-se mais longas e a cabeça acaba por matutar um bocadinho. Optei sempre por continuar a minha vida normal dentro do possível: trabalhar, fazer exercício físico, manter hábitos e esse tem sido o meu segredo: procurar a normalidade! 

- Como tem sido o tratamento até agora?

- Existem vários tipos de cancro de mama, e para cada pessoa o processo é diferente. Costumo dizer que, infelizmente, somos muitas, partilhamos a doença, mas a minha não é igual à tua. Assim, o procedimento, embora semelhante, é diferente para cada caso. No meu caso o primeiro passo, depois de todos os exames de diagnóstico e estadiamento, foi a cirurgia. Confesso que, de tudo, era o que mais me assustava! Fiz aquilo que se chama uma mastopexia bilateral: um liffting de maminhas - o cirurgião retirou o tumor e harmonizou os dois lados. há quem faça esta cirurgia por efeitos estéticos, no meu caso foi bónus (há que ver o lado positivo)! Depois da cirurgia, comecei a fazer hormonoterapia: um comprimido diário para os próximos 5 a 10 anos e estou, neste momento, a uma sessão de completar 16 sessões de radioterapia, 5 dias por semana, e durante aproximadamente 15/20 minutos a máquina de radioterapia é a minha melhor amiga!!

Quando se fala em cancro, a maioria das pessoas pensa na quimioterapia como tratamento padrão, mas nem sempre a quimioterapia é recomendada ou o tratamento mais indicado. Como já disse, cada caso é um caso, e no meu caso, a equipa médica decidiu que não era o mais acertado.

A radioterapia tem efeitos menos visíveis para o exterior: não faz cair o cabelo, por exemplo, mas é igualmente eficaz para fechar a porta ao bicho!
O cancro tem muitas caras e não se define pelo cabelo ou pela falta dele, acho que, por vezes, as pessoas desvalorizam o teu diagnóstico porque não tens cara de ter cancro, mas felizmente senti isso poucas vezes.

 A ‘esperoterapia’ é, na minha opinião, uma das coisas mais duras! É difícil esperar 21 dias pelo resultado de uma biópsia, tal como é difícil esperar pelo telefonema das 8h que só chega pelas 17!

 

- Quais foram os momentos mais inesperados ou surpreendentes que viveu desde o diagnóstico?

- Não sei se posso chamar de inesperados, mas posso dizer que há momentos que marcam. A primeira vez que entrei no IPO, fui com o meu irmão, ia apenas a uma consulta e acabei por passar uma manhã em exames. Nunca lá tinha estado e não fazia ideia do ambiente que ia encontrar e fui surpreendida: a amabilidade e o profissionalismo de todos os médicos, técnicos, auxiliares é sem dúvida reconfortante e transmite uma sensação de segurança que, para quem como eu, vai ainda dormente e perdida é maravilhosa! Não nos sentimos doentes: sentimo-nos acompanhadas e amparadas! 
Levei a minha mãe comigo para que ela pudesse sentir também esta segurança e acho que isso a sossegou também! 

Esta positividade traduz-se muitas vezes no renovar da esperança, afinal ali estamos nós a confiar na ciência e na experiência daqueles que nos rodeiam e, se em cada rosto, virmos um sorriso ou ouvirmos uma palavra amiga isso também cura! 

Numa altura em que se fala da importância da saúde mental, acho que é importante referir que, tal como somos todos diferentes, a forma como encaramos as coisas e como agimos perante esta ou aquela situação também será e, se em determinada altura precisarmos de ferramentas, devemos procurá-las. O IPO disponibiliza aos doentes consultas de psicologia e a Liga Portuguesa Contra o Cancro também dá esse apoio. Não recorri às mesmas, mas sei que estão lá se precisar!

- O que aprendeu sobre si mesma durante a sua experiência com o cancro que não sabia antes?

- Costumo dizer aos meus filhos que eles têm de aprender a esperar! Pois isso foi um dos exercícios que também aprendi durante todo este caminho. Ainda que todo o processo tenha sido relativamente rápido, a esperoterapia é, na minha opinião, uma das coisas mais duras! É difícil esperar 21 dias pelo resultado de uma biópsia, tal como é difícil esperar pelo telefonema das 8h que só chega pelas 17!

Aprendi a esperar, a não deixar que a espera me consumisse um bocadinho todos os dias e isso foi (e é) difícil de gerir! Não vou dizer que descobri uma força que não tinha ou que não sabia que era tão corajosa porque, na realidade, não tenho nem sou! Ninguém é! Costumo dizer que, se fosse com um dos miúdos estaria em pânico, mas como sou eu quero é saber o próximo passo! Tem sido sempre assim: ok e agora? O que é para fazer? E onde? A que horas? Quando muito posso dizer que aprendi a confiar, mas a questionar quando é preciso! 

- Houve algum livro, filme ou programa que a inspirou durante este processo?

- Confirmo que pus a leitura em dia! E algumas séries também. No entanto, embora tenha pesquisado muito e lido vários artigos acerca da doença e dos seus muitos caminhos não tive nenhum livro guia. Testemunhos, li muitos testemunhos e muitas experiências e delas concluí que somos mesmo muito diferentes e com percursos muito distintos! Fugi da tentação de recorrer ao dr. Google! Mas li muitos e bons artigos relacionados com a alimentação, a desconstrução de mitos e tratamentos alternativos! Depois ativei o filtro e retive o necessário! Assim, e se tivesse de recomendar alguma coisa, recomendaria a troca de experiências, infelizmente tenho amigas a passar pelo mesmo processo e vamos falando regularmente, acaba por ser terapêutico porque estamos no mesmo caminho, ainda que a ritmos diferentes. 

- Se pudesse escolher um superpoder para ajudá-la a enfrentar o cancro, qual seria e como o utilizaria?

- Infelizmente ninguém é o super-homem nem a mulher-maravilha: somos todos humanos e de carne e osso e, como tal, estamos todos sujeitos a que esta ou outra doença, ou qualquer outro desafio nos bata à porta, e entre sem avisar! Como fã de filmes de super heróis não consigo escolher um só super poder: poderia pedir para viajar no tempo ou para ter a capacidade de regenerar sem cicatrizes, podia pedir para estalar os dedos e acordar de um sonho... Considero que todos temos o super poder que precisamos dentro de nós, pode estar mais ou menos escondido, mas está lá! 

O cancro da mama, quando descoberto precocemente, tem uma taxa de sucesso de cerca de 90%! OK, como se ao dizer estas palavras pudéssemos tornar o diagnóstico menos chocante para quem o ouve! Não o torna, é certo, no entanto, não deixa de ser um sinal de esperança!

- O que aconselharia a alguém que acabou de receber o diagnóstico de cancro da mama? Há algo que gostaria de ter sabido antes?

- O cancro da mama, quando descoberto precocemente, tem uma taxa de sucesso de cerca de 90%! OK, como se ao dizer estas palavras pudéssemos tornar o diagnóstico menos chocante para quem o ouve! Não o torna, é certo, no entanto, não deixa de ser um sinal de esperança! Receber um diagnóstico de cancro, seja ele qual for e em qualquer idade nunca será fácil e, infelizmente, há muitas pessoas a passar por ele, quer dentro das idades expectáveis quer fora delas. Somos pessoas de todas as idades, de todas as cores, credos e estratos sociais, o cancro não escolhe!

Todos os dias, por todo o mundo, há alguém que ouve um médico dizer: ‘Confirma-se o diagnóstico, é cancro!’ e nesse momento o mundo desse alguém desaba um bocadinho! Ninguém quer ouvir isto! O meu conselho, vale o que vale, mas é só um: respira e vai em frente: chora o que houver para chorar, grita e diz asneiras se isso ajudar, mas vai em frente! vê qual é o próximo passo e avança para ele: assim mesmo, um passo de cada vez, um pé à frente do outro e vais chegar à meta!  Cria as tuas metas, e derruba-as uma a uma! Somos muitas, mas somos fortes!

Para a minha próxima meta falta um dia de tratamento, e depois? Venha a seguinte!

Última Atualização 12 dezembro, 2024

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