“O espartilho dos géneros na literatura está cada vez mais obsoleto”

Isabel Tallysha-Soares foi a convidada da mais recente sessão da Comunidade Online de Leitores do Oeste, numa tertúlia que serviu para debater o conceito de jornalismo literário e o seu caráter híbrido. A autora e investigadora em Ciências Sociais revela o que mais a surpreendeu nas intervenções dos leitores, mantendo a convicção de que os conceitos literários não precisam de ser uma caixa fechada.
- Como foi a experiência de participar na sessão da Comunidade Online de Leitores do Oeste?
– Foi muito boa, pois senti-me bem acolhida pela comunidade e percebi, no imediato, o interesse que o meu tema levava.
- Que momentos ou intervenções dos leitores a marcaram mais durante o debate?
- Gostei, principalmente, de notas que se trata de leitores muito bem informados pois conheciam muitos dos nomes que eu referenciei como James Baldwin ou Truman Capote.
- Sentiu que conseguiu transmitir a essência do conceito de hibridismo aos participantes?
- Creio que sim, pois as perguntas que me fizeram iam tocar à questão do terreno híbrido na confluência do jornalismo e da literatura.
- Houve alguma pergunta ou comentário inesperado que a surpreendeu durante a conversa?
- Surpreendeu-me a quantidade de nomes que os participantes me foram dizendo, e que eu nem conhecia, que que, após a minha intervenção, já conseguiam localizar no jornalismo literário. Ou seja, conseguiram, logo durante a sessão, usar as ferramentas que eu lhes tinha dado para chegarem a conclusões suas e próprias. Isso é sempre fascinante.
- Como avalia o interesse dos leitores da comunidade pelo tema do jornalismo literário e quais são os aspetos que considera serem merecedores de maior destaque nesta área?
- Quando os leitores começaram a partilhar leituras, a ir buscar nomes de autores, a tentar a sua integração no jornalismo literário, isso atesta o seu interesse e por isso quando conseguimos que a centelha comece a virar chama é motivo para alegria.
- Acredita que o debate ajudou a criar novas perspetivas sobre a relação entre literatura e realidade?
- Creio que sim. Porque foi uma oportunidade para conversarmos com o cânone e o desafiarmos e só nesta dialética constante se consegue perceber os contornos infinitos que a literatura e o jornalismo têm e como se cruzam e intersecionam com enriquecimentos mútuos. O espartilho dos géneros está cada vez mais obsoleto e cada vez mais contestado, por isso o nosso encontro foi tão participado em termos que questões feitas.
- Que obras ou exemplos mencionados pelos participantes a inspiraram, lhe chamaram a atenção ou que, por outro lado, fez questão de trazer à conversa?
- Gostei muito que tivessem trazido o exemplo da Svetlana Alexievich, não só conheciam a autora como discerniam sobre a sua escrita polifónica. Isso foi muito interessante de ver.
- Qual foi o impacto desta interação na forma como reflete sobre o seu trabalho académico e literário?
- Muito gratificante pois, como académica, o meu trabalho restringe-se muito aos círculos e públicos que consomem ciência. Como escritora, Isabel Tallysha-Soares, o público é o que consome ficção (no meu caso semi ou pseudo-ficção) por entretenimento e na COLO foi um pouco cruzar barreiras e estar, tal como o jornalismo literário, numa posição híbrida.
- Há algum ponto levantado na sessão que gostaria de aprofundar numa futura tertúlia?
- Tantos… a literatura que parte da realidade, o realismo mágico, enfim a literatura que mantém esta conversa de desafio com o cânone. A literatura de viagens e, algo ainda pouco falado, as novas plataformas literárias e o impacto digital na literatura.
- Que tema atual é passível de gerar um bom livro de jornalismo literário?
- A guerra, infelizmente, é sempre um tema quente para o jornalismo literário, mas neste momento a emergência climática, as migrações e a desagregação económica ao nível da vida do cidadão anónimo são temas com grande pujança.